UMA VISITA EM 1859 – À FÁBRICA DE TECIDOS SANTO ALEIXO EM MAGÉ

UMA VISITA EM 1859

À FÁBRICA DE TECIDOS SANTO ALEIXO

EM MAGÉ

 

Guilherme Peres

 

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FABRICA DE TECIDOS SANTO ALEIXO – BICO-DE-PENA DE JAMES COOLEY

Ao embarcar no cais dos Mineiros, Rio de Janeiro, na década de cinqüenta no século XIX, a bordo de um pequeno vapor para atravessar a baia de Guanabara em direção ao porto de Piedade, Magé, em uma visita a Fábrica de Tecidos Santo Aleixo, o pastor metodista J. C. Fletcher, não suspeitava a ventura que o esperava ao longo dessa viagem.

Acompanhado por “numeroso grupo de amigos, entre os quais o Sr. M., digno diretor e um dos donos da fábrica”, (Fletcher se refere discretamente ao Sr. Luiz Moran como Sr. M.), seguiram na embarcação também conduzindo alguns tropeiros e seus animais. Partiram numa manhã clara, atravessando as verdejantes ilhas que se espraiavam ao sol, lideradas por Paquetá. 

Entretanto, por traz da Serra dos Órgãos, nuvens negras prenunciavam tempestade. O vaporzinho singrava as águas revoltas da baia, quando o vento trouxe o que todos temiam: um forte aguaceiro acompanhado de trovões. A água descia em cântaros. Sem camarotes para se abrigarem as cortinas que existiam cobriam apenas pela metade parte dos corpos, deixando os pés e as pernas dos passageiros totalmente encharcados.

Foi um alívio quando a chuva cessou e a coberta da frente que abrigava os tropeiros e suas mulas foi retirada. O mau cheiro que exalava “dos sujos condutores de animais, dos desalinhados arrieiros e dos negros molhados, não eram das mais agradáveis para a porção feminina da nossa companhia”.

Entre os passageiros, chamava atenção, a presença de um “mulato que ia para uma festa em Magé” levando doces para vender. Demonstrando sua verve artística, cantava de improviso todos os temas que lhe eram pedidos. Quando foi sugerido cantar sobre a ilha de Paquetá, “a linda jóia insular em frente a qual estávamos passando, ele imediatamente lançou-se em uma torrente de versos, descrevendo as belezas da ilha”, o que encantava a todos, e esquecessem a morosa travessia.

DESEMBARQUE E VIAGEM

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Ao chegarem a Piedade, fizeram uma rápida refeição “em um tosco hotel da roça… preparamo-nos para a viagem pela estrada”. A equipagem seguiu na frente enquanto o hoteleiro apresentou aos viajantes “o melhor veículo que pode encontrar na Vila de Magé”, pois “o seu, tinha recebido sérios estragos”, atrelando apenas animais de sua propriedade.

“Quatro belas mulas precipitavam-se pela lama e pela água… arrastávamo-nos morro acima e vales abaixo”, atravessando rios a vau e pequenos riachos formados pela chuva. Galhos pendentes das árvores molhadas eram motivos de “banhos” espargidos nos passageiros. “Após várias milhas de viagem”, o veículo parou para descanso e alimentação.

Mais uma vez a noite antecipou-se com nuvens negras formando-se no horizonte. A viagem continuou sob forte aguaceiro. O que “antigamente era a capota da carruagem, foi transformada numa espécie de pia, com um buraco no meio, pelo qual vazava água. Felizmente nós tínhamos um guarda-chuva; este foi introduzido no orifício, e assim a corrente foi desviada de nossas pobres cabeças”.

Em dado momento em meio à borrasca, as mulas empacaram em uma ladeira mais íngreme. Ao som de um estridente assobio do cocheiro “surgiram quatro figuras escuras de uma cabana ao lado da estrada”. Este episódio foi mais tarde, motivo de comentários de uma das passageiras, descrevendo o pavor que sentiu naquele instante: “eu bem pude avaliar o que seria para mim, pobre e fraca mulher, deixar-se roubar, ou pelo menos assaltar!”.

Um dos homens empunhava um cacete nas mãos e desferia pancadas sobre o lombo dos animais, com os demais puxando pelas rédeas “proferindo uma série de gritos estranhos e indesejáveis epítetos, todos, porém dirigidos contra as mulas; e, como sabia que as peles e os crânios desses animais eram mais espessos do que os meus, fiquei consolada”.

Depois de um bom tempo lutando para subir a ladeira e atingirem o alto, os quatro homens se despediram. Na descida, a chuva tinha cessado eo sol engolido no ocaso, deixava as nuvens salpicadas de dourado, podendo-se ver naquele instante “o lindo vale” de Santo Aleixo que se aproximava, “onde a fábrica levanta suas brancas paredes… em cujo solo esse edifício assenta, emprestaria graça a qualquer construção”.

A CHEGADA

Chegaram na residência do proprietário da fábrica. A saudação de boas vindas da dona da casa, dona Virgínia, foi calorosa, “veio ao nosso encontro quando chegamos todos exaustos! Alegremente narramos o nosso susto e as nossas aventuras”. Oferecendo os aposentos para os visitantes, foram em seguida convidados para a refeição, constando de “presunto, frango assado e outras gulodices preparadas pela boa hospedeira”. 

Na manhã seguinte o grupo saiu para conhecer a localidade. A casa ficava à pequena distância da fábrica “e ambas foram realmente aparelhadas nos Estados Unidos, donde vieram as diferentes partes em pedaços que se armaram no Brasil”. O cenário era paradisíaco. Das montanhas desciam regatos ruidosos que se confundiam com o cantar dos pássaros.

“O Sr. M. procurou longa e penosamente um curso d´agua que nunca secasse, mesmo na estação mais seca. Por fim descobriu esse pequeno rio, e aqui construiu sua morada. Os morros elevam-se arredondados, cobertos com a mais luxuriante vegetação; aqui e ali uma magnífica palmeira se ergue como um chefe acima de seus companheiros; mais adiante as montanhas estendem-se e confundem-se com o azul claro do céu. Sobre os ramos cantam pássaros de ricas plumagens, que parecem ao amanhecer, convidar as exuberantes sensitivas a despertar do repouso da noite”.

As amigas da senhora Virgínia lamentavam sua vida isolada nesse recanto do mundo, “mas foram sossegadas em suas demonstrações de simpatia quando foram informadas que nenhum sinal de solidão domina nesse doce recanto. Aqui se encontra companhia nas majestosas montanhas abruptamente escarpadas, nas matas floridas, nas vestes da floresta e na música que sai dos regatos e das fontes”.  

Elogiando o Sr. Moran, por ter construído a “primeira e bem sucedida fábrica de tecidos de algodão na Província”,Fletcher recorda sua luta não só contra a natureza, mas “seus maiores contratempos, lhe advieram das delongas oficiais”.

         Presenciando o trabalho dos operários, alguns contratados da colônia alemã de Petrópolis em torno dos teares, um dos visitantes fez essas declarações registradas pelo narrador: “Embora seja apenas na fabricação dos tecidos comuns de algodão que os fabricantes podem competir com as mercadorias inglesas e americanas, ele, (o Sr. M.) ainda merece uma medalha de honra do Governo, e o auxilio de todo o Império, não apenas pela fundação da fábrica, mas pelo exemplo de vida – diante de uma província de habitantes indolentes e vadios”. Fletcher termina o artigo assinalando que o Sr. Moran morreu em 1857.               

FONTE BIBLIOGRÁFICA:

                                                    Coleção “Brasiliana”

Kidder, D. P. e Fletcher J. C. – “O Brasil e os Brasileiros”

                                                   Cia. Editora Nacional – 1941, RJ. 

EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA:

O livro indicado acima de autoria de dois pastores metodistas americanos, cujas cópias foram gentilmente oferecidas ao autor dessa crônica pelo historiador Milton Cabral, não reflete a verdade de suas autorias. Daniel ParishKidder esteve no Brasil entre 1837 e 1840, portanto não poderia ter visitado a fábrica de tecidos Santo Aleixo só inaugurada em 1848. A parceria na edição do livro, ofertada por seu patrício e também pastor, James CooleyFletcher, que realmente visitou a fábrica e ilustrou-o com um belo bico-de-pena, provavelmente só poderia ser uma forma de gentileza oferecida ao amigo, que interrompeu a viagem por motivo do falecimento de sua esposa, Cynthia HarrietKidder, ocorrido no Rio de Janeiro aos 22 anos de idade e sepultada nessa Cidade.

A nosso pedido, o jornalista Alexander Valla, traduziu o trecho da visita a Santo Aleixo da edição original, editada em 1857 intitulada: “BrazilandtheBrazilians: portrayed in historicalanddescriptive sketches” – Philadelphia, Childs e Peterson – e comenta sobre um artigo publicado pelo jornal New York Times em 15 de novembro de 1860:

“As salas da Sociedade Histórica (de Nova York) ficaram lotadas com a presença de damas e cavalheiros que foram até lá, para ouvirem o reverendo John (até o New York Time erra!) C. Fletcher, falar sobre o Brazil”

Fletcher, apesar de missionário, também era um representante dos homens de negócios americanos, posto que relatava em suas palestras, a real situação de cada negocio brasileiro que envolvesse a América do Norte. Daí, talvez, o interesse em conhecer e descrever, com riqueza de detalhes a Fábrica de Tecidos Santo Aleixo.